Donos de cacimba no meio da seca, irmãos oferecem água de graça para a população de Itiúba



Tudo em volta é só beleza. Bem-te-vis, rolinhas e até um sofrê sorriem cantos de alegria. A vegetação, enfim, é pintada de verde. Estamos no centro da seca, em uma das regiões mais castigadas pela estiagem na Bahia, e o cenário aprazível parece zombar da falta de chuva. O motivo desse oásis de felicidade no meio do deserto é uma cacimba, um milagre em forma de minadouro d’água.
Instalada em um sítio isolado às margens da BA-381, a exatos oito quilômetros de Itiúba, semiárido baiano, a cacimba, e tudo o que está a alguns metros dela, é um impressionante contraste perto de todo o resto. Enquanto quase a totalidade dos rios, açudes e outras fontes está vazia naquela região, a cacimba permanece doando um bem precioso em qualquer tempo, principalmente em períodos como o atual.
Dali, sai água inesgotável para vários povoados, comunidades, fazendas e lugarejos próximos. E o melhor. A qualidade da água é considerada excelente. “É o mesmo que mineral”, repetem os romeiros da sede. Sim, o lugar é quase um ponto de romaria para os moradores que sofrem com a falta d´água. “Isso aqui é a nossa salvação, meu amigo. É água boa mesmo. Água de beber sem precisar nem filtrar”, garante João Barros de Souza, 78 anos, morador do povoado de Vasinha da Zoleira, a três quilômetros da fonte. Por lá, aparecem também gente de Jacuri, Taquara, Piaus, Camandaroba, Andorinha e muitos outros municípios e lugarejos.
SoberanosEm terra de seca, quem tem uma cacimba é rei. Os irmãos Adão e André Carvalho, donos da propriedade onde fica a cacimba, reinam soberanos em pleno sertão. Mas, o que seria fonte de poder e dinheiro é um minadouro de solidariedade. No momento em que a água tá valendo ouro pelas bandas de Itiúba, os irmãos poderiam acumular uma boa quantia e até poderiam ficar ricos. Isso se cobrassem um valor pela ‘especiaria’.
Mas, Adão e André não cobram um centavo pelos mais de 45 mil litros de água retirados de sua cacimba. “Deus nos presenteou com essa água para ajudar o próximo. Seria um pecado cobrar por ela em um momento como esse”, diz André,  38 anos. Basta chegar a pé ou encostar o carro. Quem quiser pode levar água. Há apenas duas regras. A primeira é que não é permitido caminhões-pipa no local. A segunda é que cada pessoa pode carregar apenas 400 litros de água.
InfinitaMas, o que faz dessa cacimba uma fonte infinita? Até o rio que passa pela mesma propriedade de Adão e André, um dos afluentes do rio Jacuriri, secou completamente nesse período. “Essa cacimba tem 32 minadouros d´água. Deve ser água subterrânea. Cai devagarinho e sempre”, explica Adão. No final das contas, a cacimba foi um verdadeiro achado para a equipe do CORREIO. O lugar acabou sendo encontrado por acaso.
O fotógrafo Arisson Marinho resolveu descer do carro para registrar a miséria dos pastos sem capim e deu de cara com um grupo de vaqueiros a cavalo, que revelou o tesouro sem qualquer cerimônia. “Ali perto tem um lugar com água boa”, indicaram. “Como assim, água? Tá tudo seco por aí”, espantou-se o fotógrafo. “Mas lá tem água, sim. E não acaba nunca”. Voltamos uns 800 m pela estrada, descemos um barranco e lá estava o oásis, cercado de verde.
No dia em que encontramos a cacimba, porém, algumas pessoas não puderam levar água para casa. É que os irmãos decidiram lavar a fonte naquela manhã, o que não acontecia desde 1999. De tanto ser visitada e remexida, o barro que fica assentado no fundo subiu. Nesse caso, é preciso um mutirão para retirar a lama e dar um tempo para a sujeira descer novamente, enquanto os minadouros renovam a água limpa. 
( Correio )

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